Sentimo-nos valorizados cada vez mais pela ação
Existe
uma equação simples para tentar decifrar esse grande mistério da falta
de tempo na vida das pessoas. É só parar e fazer a conta das horas
desperdiçadas em atividades completamente inúteis. A relação é tão
vasta que nem vale a pena fazê-la. Mas pode-se tentar uma tomada de
consciência a partir de acontecimentos do nosso cotidiano. Você conhece
uma situação que nos deixa com mais culpa do que não fazer nada? O
corpo pode até estar em estado de repouso, mas a mente viaja
quilômetros e mais quilômetros, sofrendo por tudo que deveria estar
fazendo e não faz. Provavelmente seja por isso que muitos de nós damos
um jeitinho de levar o notebook para a praia ou o hotel da cidade em
que vai tirar férias. O ócio passou a ser o oitavo pecado capital dos
nossos dias. Em gravidade, deve estar entre os primeiros.
Sentimo-nos
cada vez mais valorizados pela ação. Empilhamos atividade sobre
atividade e, ao fim do dia, a descoberta do não cumprimento de uma meta
causa grande sofrimento. Contemplar tornou-se obsoleto, coisa de quem
tem alma de poeta. Poeta extraviado. As estações passam por nós como se
fossem todas da mesma cor, da mesma textura. É claro que muitos se
entregam a essa compulsão porque há uma cobrança permanente pairando no
ar. Só os melhores, os mais ágeis e espertos sobrevivem no mercado. E
isso acabou virando senso comum – multidões andando por aí em busca do
que fazer.
Já há alguns anos tenho adotado um olhar diferente.
Tento cortar tudo o que posso e reduzir a vida a certos núcleos que me
parecem vitais. Todos reclamam que não sobra uma mísera hora diária
para a leitura. Mas sobram três ou quatro para assistir televisão. Os
pais reclamam que os filhos quase nunca estão em casa. Mas eles muitas
vezes passam mais tempo diante do computador do que os filhos.
Namorados trocaram a intimidade física por mensagens online. Um breve
monitoramento para saber onde estão parece dar conta de qualquer
insatisfação amorosa. E todos convencidos de que é assim mesmo e não há
nada o que se fazer. Mas há, sempre há.
O desejo exagerado de
obter sucesso nos enredou de tal modo que acabamos aceitando tudo como
natural. E com justificativas racionais e fundamentadas. Recusar passou
a ser uma falta de educação que poucos se permitem. Participam de tudo,
mesmo estando presentes só fisicamente, loucos para voltar pra casa e
se livrar do evento chato. Está aí uma expressão que não sai da nossa
boca: “Eu não queria ir, mas era um compromisso irrecusável.” E vamos,
totalmente sem vontade, cumprir mais um ritual destituído de prazer.
Tenho
recuperado umas boas horas depois que aprendi a dizer não. Existem
parcerias, existem amizades e existem necessidades profissionais e
afetivas. Tudo certo. Mas esse excesso de cuidado para não magoar
ninguém está nos transformando em seres amargurados, queixosos.
Lembremos do verso de Rimbaud: “Por delicadeza, eu perdi minha vida.”
Consigo
fazer muitas coisas e ainda sobra tempo. Resultado de algumas escolhas
conscientes. Um exemplo? Na minha casa ninguém leva trabalho que ficou
pendente durante o dia. Com a TV quase sempre desligada, conversamos,
lemos, assistimos filmes, saímos para jantar. Ou simplesmente ficamos
preguiçosamente deitados no sofá, falando ou em silêncio. Isso se
tornou tão importante que já não questionamos mais se é certo ou
errado. É simplesmente a nossa maneira de ser feliz. E de reclamar
menos.
Daqui a pouco teremos que devolver tudo, como nos ensinam
os mestres budistas. Melhor pensar na vida como uma brincadeira. E se
divertir. Estamos ficando velhos muito cedo. E sérios. E responsáveis.
E resmungões.
Estou tentando diminuir o peso das malas que
carrego. Não quero perder meu trem para Pasárgada. Sem poesia já é
noite. Corremos o risco de morrer sem descobrir que a luz era a própria
paisagem.
Autor: Gilmar Marcílio
Fonte: Jornal Pioneiro